Ser ou não ser…suficiente

André Coelho
2 min readNov 4, 2021
Photo by Felicia Buitenwerf on Unsplash

Sobre ser suficiente. Ou não ser suficiente. Ou ainda: sobre saber que se é suficiente, mas não o ver refletido no que recebe de outras pessoas. Se calhar, o melhor é partir, desde já, a loiça toda: se dependesse só de mim, a vida seria simples. Trabalhava, o que me parecia bem para o trabalho ficar bem feito, ia à mercearia quando precisava, ia ao cinema quando me apetecia, ia desanuviar a cabeça e andar dez quilómetros numa quarta-feira à tarde, se fosse caso disso. E tudo isto sem nunca pensar em ou lidar com dinheiro. Porque haveria de fazê-lo? Não serei suficiente? A minha contribuição para a sociedade não é suficiente? Há algum motivo fundamental para que eu não possa, ou não deva, viver de uma forma modesta, embora confortável? Não estarei eu, com o meu trabalho, a satisfazer as necessidades de outras pessoas, logo, por reciprocidade, deva receber das pessoas (não necessariamente as mesmas) o necessário e suficiente para a minha vida?

Ainda que adote uma posição mais conservadora, e aceite a ubiquidade do dinheiro, nesta sociedade monetarizada, levantam-se questões. Porque razão é possível receber menos dinheiro do que aquele minimamente necessário para “viver de uma forma modesta, embora confortável” (para já não falar em receber menos do que o necessário para a mera sobrevivência)? Será porque a minha contribuição para a sociedade não é suficiente? Não é válida o suficiente? E que, portanto, e justamente, não deverei viver a dita vida modesta, embora confortável? Deverá o meu desconforto ser proporcional à minha alegada insuficiência? Será o dinheiro uma boa medida da suficiência, ou insuficiência, de alguém?

Pode ser apenas uma falha minha — a juntar à insuficiência que, aparentemente, a minha situação financeira torna clara — mas não consigo compatibilizar a vida de uma pessoa, tornada possível por milhões de anos de evolução, interiormente complexa para além da imaginação, com um número: é isto que vales (e olha que não é muito)!

Portanto, é isto. Lá vou andando, equilibrando a sorte que tive na vida, com o salário mínimo, em vias de se transformar num salário ínfimo. Talvez, um dia, deixe de importar se o “mercado” me considera, ou não, digno de um salário digno. Nesse dia, talvez, a minha vida, como a de qualquer outra pessoa, será vista pelas pessoas como infinita, inqualificável e inquantificável, logo irredutível a um punhado de números. Aí, valeremos, e seremos suficientes, apenas por existirmos. Faremos o que pudermos, e conseguirmos, uns pelos outros, sem noções enviesadas de mérito ou valor. E seremos felizes.

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André Coelho

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