Havia um rapaz

André Coelho
2 min readJul 3, 2021
Photo by Rachael Crowe on Unsplash

Havia um rapaz que, em tempos, vivia fechado. Fazia muita coisa, ocupava-se, contribuía com o que lhe parecia poder oferecer ao mundo. Tentava, desesperadamente, sentir-se útil, sentir que era valorizado, de alguma forma. Sem ter noção disso, procurava fora de si o que não se permitia abrir por dentro: isso seria demasiado doloroso. Esse era o medo de não ser amado, o de não ser aceite… o medo do abandono. O cerne da condição humana. Objetivamente falando, há sempre estórias piores, há sempre pessoas que nos parecem ter sofrido mais, ou que sofrem mais. Mas, agora sei-o, nada há de objetivo na história de vida de uma pessoa; o que vivemos, o que sentimos, o que pensamos, é sempre absolutamente subjetivo, sempre algo estritamente pessoal. Quando o seu maior medo, vivendo, até à data, no seu inconsciente, veio à superfície, pôs a descoberto por completo o seu núcleo frágil e precioso. Entrou em desespero, chegou a considerar o suicídio. Foi aí que tudo o resto se tornou secundário. Todas aquelas atividades, todas aquelas tentativas de se fazer necessário, se tornaram, gradualmente, irrelevantes. Talvez não irrelevantes, mas nitidamente diminuídas na sua importância. O que sentia, visceralmente, era tão forte, que requeria atenção constante.

Rapaz: bem-vindo à espécie humana. Bem-vindo ao teu corpo, à tua mente, ao teu sistema nervoso. Estás a descobrir quem és, e o amor que nunca sentiste desta forma… por estares a abrir e a viver a vida da tua verdadeira pessoa. Estás a aprender a confiar, e a familiarizares-te com a presença de outra pessoa no teu núcleo. Sentes visceralmente cada passo que dás, a passagem do tempo, cada contacto com o outro. O desafio e a insegurança que ainda sentes resultam do facto de tudo isto ser, ainda, uma novidade na tua vida. Mas estás de parabéns por ter chegado a este ponto. O rapaz que eras cumpriu o seu papel, mas pertence agora, definitivamente, ao passado. Tens toda uma nova vida pela frente.

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André Coelho

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